terça-feira, 26 de agosto de 2008

Omelete do meu pensamento


Ó mãe, me lembro quando nosso primeiro cachorro foi envenenado

Eu estudava numa escola particular e levantei cedo
ele estava alucinado
ele enfiava com tanta força seu focinho nos buracos dos tijolos jogados pelo pátio
com o olho de quem perdeu sua alma.

Você olhava com pena
e um minúsculo sorriso na boca
porque entendia a minha dor
e as demais tragédias pela qual passaste te ensinaram que a primeira tragédia nunca é a pior
e sorria pois sabia
que um dia eu ia entender.

Na escola eu mais ou menos que me esqueci
e encarnei a imagem de sempre que até hoje mantenho
de inexaurível ser superior
mesmo sendo um pirralho gordo extremamente bochechudo
e nada razoável.

Quando cheguei em casa, já estava morto.
Estava inchado, e havia vomitado um arroz com coisinhas verdes.
E, nesse exato momento da minha vida,
quando eu e o meu irmão carregamos o cão e uma pá até uma floresta distante da minha casa,
foi quando virei Homem.
Somente Homens recebem um empurrão involuntário na consciência
para carregar um ser amado morto
até o túmulo.
Chorei todo o trajeto de ida e volta
Chorei no calo de sangue que meu irmão criou na sua mão ao cavar a terra.

Quando chegamos em casa, o almoço estava pronto.
Eu jamais irei esquecer desse almoço.
O almoço que eu comi hoje me lembrou esse almoço.
Eu me lembro muito especificamente do omelete que tu fez
(nunca te chamei de senhora, e não vai ser agora):

O omelete tinha coisinhas verdes
.


.

Um comentário:

Anônimo disse...

acho teus textos tão transbordantes de sensações, idéias q se inter-dialogam, e esse, especialmente, tem uma sensibilidade dolorida de quem ñ pode demonstrá-la, q até me faz sentir culpada por misturar tantas coisas nesse universo caótico, vida e morte, a percepção de q o ser humano vai sempre ficar preso num ciclo meio mórbido-canibalesco...

ñ consegui te comparar com outros escritores e achei isso o máximo!